Brasil Império

A Maçonaria no Brasil

 

INTRODUÇÃO

Desde a crise do Antigo Sistema Colonial, a maçonaria está presente em nossa história, destacando-se inicialmente, entre alguns revolucionários da Inconfidência Mineira e da Conjuração Baiana no final do século XVIII. Nesse período que antecede a Independência, a maçonaria assumiu uma posição avançada, representando um importante centro de atividade política, para difusão dos ideais do liberalismo anticolonialista.
Sua influência cresceu consideravelmente durante o processo de formação do Estado Brasileiro, onde apareceu como uma das mais importantes instituições de apoio à independência, permanecendo atuante ao longo de todo período monárquico no século XIX. Nesse processo, a história do Brasil Império é também a história da maçonaria, que vem atuando na política nacional desde os primeiros movimentos de independência, passando pelos irmãos Andradas no Primeiro Reinado, até as mais importantes lideranças do Segundo Império, no final do século XIX.


Monumento à Maçonaria na cidade de Sorocaba



O QUE É A MAÇONARIA ?

Trata-se de uma associação semi-secreta, difundida no mundo todo, que adota os princípios de fraternidade e da filantropia entre seus membros. A maçonaria discrimina as mulheres, sendo composta principalmente por profissionais liberais, que se iniciam através de rituais incluindo juramentos de fidelidade e uma série de simbolismos, onde a moral, a fraternidade e a retidão são representadas pelo livro sagrado, pelo compasso e pelo quadrado. No cotidiano os maçons se comunicam através de sinais secretos, senhas e cumprimentos especiais.
A maçonaria não é uma seita religiosa, embora o único obstáculo para aceitação de um novo membro seja o ateísmo, já que os maçons professam a crença em um ser supremo. Ela é supra-religiosa, pois são aceitos cristãos, judeus, muçulmanos, budistas e qualquer homem de fé.

HISTÓRICO E CARACTERÍSTICAS
Em meados do século XV na Inglaterra as lojas medievais de free masons ("pedreiros livres"), inicialmente reservadas somente a profissionais ligados a esse ofício (arquitetos e engenheiros), abriram-se para membros da nobreza, da burguesia e do clero. Durante os séculos XVI e XVII, crescia cada vez mais o número desses maçons aceitos que conservaram os ritos e os símbolos da maçonaria tradicional de pedreiros, arquitetos e engenheiros, apegando-se contudo às suas próprias interpretações no tocante a questões filosóficas, científicas e espirituais.
No início do século XVIII aparece a franco-maçonaria moderna, com orientação interna baseada no Livro das Constituições publicado em 1723 por James Anderson, que exerceu influência internacional no pensamento das sociedades modernas, difundindo-se principalmente, nos países anglo-saxônicos.
A hierarquia para iniciação maçônica possui três níveis (aprendiz, companheiro e mestre), que são desenvolvidos em lojas ou oficinas. Do quarto grau até o décimo quarto o maçom se desenvolve em lojas de perfeição, depois, do décimo quinto ao décimo oitavo, em capítulos, e do décimo nono ao trigésimo em areópagos. A partir do trigésimo grau até o trigésimo terceiro e último, a iniciação é realizada por conselhos que administram os quatro grupos precedentes.
A simbologia da maçonaria é composta por elementos de uma linguagem coerente e complexa. Apesar de não possuir definição político-partidária ou religiosa, a maçonaria sempre atuou no campo político-ideológico.
No Brasil, a maçonaria distanciou-se dos interesses populares, passando a representar a aristocracia rural, estendendo-se no máximo às classes médias emergentes.

A MAÇONARIA NO BRASIL

Apesar da maçonaria estar presente no Brasil desde a Inconfidência Mineira no final do século XVIII, a primeira loja maçônica brasileira surgiu filiada ao Grande Oriente da França, sendo instalada em 1801 no contexto da Conjuração Baiana. A partir de 1809 foram fundadas várias lojas no Rio de Janeiro e Pernambuco e em 1813 foi criado o primeiro Grande Oriente Brasileiro sob a direção de Antonio Carlos Ribeiro de Andrada e Silva.
A lusofobia tão presente nos movimentos de emancipação, também caracterizava a maçonaria brasileira, que desde seus primórdios não aceitava se submeter ao Grande Oriente de Lisboa.
Como em toda América Latina, no Brasil a maçonaria também se constituiu num importante veículo de divulgação dos ideais de independência, sendo que em maio de 1822 se instalou no Rio de Janeiro o Grande Oriente Brasiliano ou Grande Oriente do Brasil, que nomeou José Bonifácio de Andrada e Silva o primeiro grão-mestre da maçonaria do país.
Com D. Pedro I no poder, o Grande Oriente do Brasil foi fechado, ressurgindo apenas com a abdicação do imperador em 1831, tendo novamente José Bonifácio como grão-mestre. Nesse mesmo ano ocorre a primeira cisão na maçonaria brasileira, quando o senador Vergueiro funda o Grande Oriente Brasileiro do Passeio, nome referente à rua do Passeio, no Rio de Janeiro.
A divisão enfraqueceu a maçonaria, que começou a perder influência no quadro político do Império brasileiro. Essa situação agravou-se em 1864, quando o papa Pio XI, através da bula Syllabus, proibiu qualquer ligação da Igreja com essa sociedade.
No contexto de crise do Império brasileiro, esse quadro tornou-se mais crítico em 1872, quando durante uma festa em comemoração à lei do Ventre-Livre, o padre Almeida Martins negou-se a abandonar a maçonaria, sendo suspenso de sua atividade religiosa pelo bispo do Rio de Janeiro. Essa punição tinha sido antecedida por um discurso feito pelo padre Almeida Martins na loja maçônica Grande Oriente, no qual o religioso exaltou a figura do visconde do Rio Branco, que, além de primeiro-ministro, era grão-mestre da maçonaria.
Neste processo, o bispo de Olinda, D. Vital e o de Belém, D. Macedo determinam o fechamento de todas irmandades que não quiseram excluir seus associados maçons. A reação do governo foi rápida e enérgica, quando em 1874, o primeiro-ministro, visconde do Rio Branco, determinou a prisão dos bispos seguida de condenação a quatro anos de reclusão com trabalhos forçados. Apesar da anistia concedida no ano seguinte pelo novo primeiro-ministro duque de Caxias, a ferida não foi cicatrizada e o Império decadente junto com a maçonaria que o sustentava, perdiam o apoio do clero e da população, constituindo-se num importante fator para queda do obsoleto regime monárquico e para separação do mesmo com a Igreja.



No período republicano a maçonaria conseguiu crescer e diversificar suas atividades pelo país, apesar de ter perdido o poder de influência no Estado brasileiro. Nesse final de século, a maçonaria permanece como uma associação, que apesar de defender os princípios de fraternidade e filantropia, exclui, mesmo que de forma não assumida, a participação das camadas sociais menos abastadas entre seus membros.

 

 

 

A Inconfidência Mineira e a Maçonaria, uma tradição inventada

 

Este artigo faz parte do esforço científico da revista Universo Maçônico em combater o obscurantismo e mitos que, infelizmente, contaminam a história da Maçonaria Brasileira. Vamos tratar aqui de um antigo debate travado em torno da relação entre a Maçonaria a Inconfidência Mineira. Realmente existiram maçons dentro do movimento inconfidente? Joaquim José da Silva Xavier, o famoso Tiradentes era maçom? Estas serão as perguntas basilares deste artigo.

A instituição maçônica foi fundada no Brasil apenas em 1801, doze anos após a conjuração. Desta premissa partimos para a primeira pergunta: a Inconfidência poderia caracterizar-se como um movimento maçônico se ainda não havia lojas no Brasil? De acordo com alguns autores, haveria, sim, centenas de maçons organizados em lojas, mas estas funcionavam clandestinamente, já que a ordem se encontrava proibida pela legislação portuguesa. Este fato explicaria a falta de documentos acerca da atividade maçônica durante o século XVIII.

Dentro da historiografia o relato que inaugurou o mito de que a Inconfidência possuía caráter maçônico partiu de Joaquim Felício dos Santos em sua obra Memórias do distrito diamantino da comarca do Serro Frio de 1924. Neste livro o autor afirma que a “Inconfidência de Minas tinha sido dirigida pela maçonaria, Tiradentes e quase todos os conjurados eram pedreiros-livres”. Surgiu a suspeita de que Tiradentes, que percorria o caminho dos currais rumo à Bahia, acabou, numa de suas viagens, tornando-se maçom.

Tiradentes se tornou ao longo do século XX o personagem mais popular do panteão brasileiro, adquirindo contornos heróicos hipertrofiados e status de mito político. É natural que a Maçonaria aproprie-se dele como elemento fundador. No entanto, não há qualquer prova documental que corrobore esse fato. Desta forma, em virtude da ausência de fontes podemos afirmar que Tiradentes não tem respaldo histórico para ser caracterizado como maçom. As suspeitas sobre tal característica do Alferes podem ser classificadas como invenções infundadas.

Muitos maçons, no entanto propuseram-se a escrever sobre este fato para desvendar sua “verdadeira” história e demonstrar o papel crucial da maçonaria na definição dos acontecimentos de 1789. Em geral, tais narrativas baseiam-se no fato de que a Inconfidência não foi um episódio regional. Tal movimento teria feito parte de um projeto internacional elaborado para tornar livres todos os povos oprimidos. A Inconfidência, a Revolução Francesa e a Independência Americana seriam expressões de um mesmo fenômeno: o do anseio revolucionário por independência, democracia e liberdade que sacudiu a Europa e a América por meio das atividades maçônicas.

De certa forma, estes três eventos podem sim ser correlacionados. O historiador Tarquínio José Barbosa ressalta que muitos estudantes brasileiros em Coimbra (Portugal) e Montpellier (França) iniciaram-se na maçonaria européia e trouxeram seus valores e idéias para o Brasil. Talvez, o registro mais concreto da participação da Maçonaria na Inconfidência Mineira seja exatamente o encontro do estudante carioca e inconfidente José Joaquim Maia com o Maçom norte-americano Thomas Jefferson, que, nesta época, era embaixador dos Estados Unidos na França. O encontro tinha por objetivo obter o apoio dos americanos à revolta que se articulava nas Minas Gerais.

O professor da UFMG Luiz Carlos Villalta ainda ressalta que as fontes intelectuais dos inconfidentes foram bastante ecléticas. Nisso eles se assemelharam aos maçons norte-americanos que fizeram a Independência dos EUA em 1776. Da Antiguidade Clássica, apropriaram-se de Virgílio: “Libertas quae sera tamen”, lema da bandeira imaginada. Beberam também das Luzes, representadas por Montesquieu, mas sobretudo por Raynal. Baseados neste autor os inconfidentes acreditavam que o Brasil poderia ser a colônia mais feliz do mundo se ficasse livre do monopólio comercial e se o fisco não fosse tão pesado.

Os americanos apelaram para o direito consuetudinário inglês e para as teorias políticas e sociais do puritanismo da Nova Inglaterra. Os inconfidentes operaram de modo análogo com as tradições culturais ibero-americanas, buscando socorro nas idéias da Segunda Escolástica que admitiam que era legítimo voltar-se contra um governo tirânico.

Desta forma, inconfidentes mineiros e os revolucionários maçônicos americanos possuíam uma aproximação intelectual. No entanto, enquanto a maçonaria talvez tenha sido o elo central da independência americana: Thomas Jefferson, Benjamin Franklin e George Washington eram comprovadamente maçons, o mesmo não podemos afirmar de Cláudio Manuel da Costa, Tomás Antônio Gonzaga
e Tiradentes.

Assim, a narrativa da Inconfidência como um movimento maçônico propriamente dito pode ser denominada de “‘tradição inventada”, expressão cunhada por Eric Hobsbawm que indica a criação de um passado com o qual se busca estabelecer uma continuidade ininterrupta. Quando muito, através de documentos, podemos afirmar apenas que os inconfidentes procuraram o apoio e respaldo dos norte-americanos (maçons em sua maioria) para a sublevação minei